27.11.05

GENT - O FIO DA NAVALHA



Imaginem que acabaram de experimentar um daqueles momentos únicos, exigentes, que nos revolvem por dentro e que ainda não tivemos tempo de digerir. Imaginem também que - quase no mesmo instante - vos é pedido que voltem a viver algo parecido, talvez de menor exposição, mas sempre de igual responsabilidade, para quem é consciente naquilo que faz. Trago-vos só uma pequena imagem do que os meus “bravos” e eu vivemos, logo a seguir ao CCB!

Imediatamente após o concerto, ainda houve tempo para ir comemorar dois aniversários de duas pessoas que generosamente nos ofereceram o seu esforço e trabalho, nesse dia. Poucas horas depois, bem cedinho, já estávamos a trocar beijinhos e cumprimentos no aeroporto da Portela, prontos a embarcar para Gent, onde iríamos actuar ainda nessa noite.

É nestas alturas que nos damos conta do mistério da cumplicidade, da amizade, da inter ajuda que tem de existir entre todos nós, que partilhamos esta “estranha forma de vida”. Na verdade, ao menor passo em falta, sem uma “mãozinha” segura e diligente, sem aquele esforço de equipa inegável, tanto ao público como a nós próprios, corremos o risco de não cumprir a nossa função principal: fazer a melhor música que o nosso coração permitir, independentemente das forças.

Quase sempre depois, quando nos sentamos para jantar, com a sensação de cumplicidade e partilha que se vai criando entre nós nestes momentos tão particulares, parece-me sentir algo próximo daquelas imagens dos livros dos guerreiros em cruzadas, que depois de longas batalhas se sentam para confraternizar, rir, brincar e descontrair, num misto de infantilidade, gargalhadas e intimidade que nos torna tão próximos.

Sabemos que o público ficou feliz. Mas se eles soubessem como nós ficamos mais ricos, depois destas aventuras em que somos levados ao limite e das quais sobrevivemos em graça, acredito que ficariam ainda mais sensibilizados com a importância que têm nas nossas vidas. As suas palmas e as vossas, que provavelmente já nos ouviram numa ou noutra situação parecida, são o bálsamo para o cansaço, são os carinhos das famílias que não nos podem ter a todo o momento, são o aconchego das nossas casas onde passamos muito menos tempo do que gostaríamos.

No fundo, durante aquela hora meia em que nos escutam, vocês, o público, são a nossa família mais querida, que guardamos na memória e levamos na bagagem para nos dar forças na cruzada que escolhemos. E por mais dura que ela seja, vale SEMPRE a pena…