13.12.05

SANGUE DO MEU SANGUE

Hoje escrevo-vos este post “em tempo real”, o que significa que os acontecimentos, ao contrário do geral dos outros textos, têm pouco mais de minutos no meu diário, na hora em que os estou a descrever. Publica-se agora, mas foi escrito no passado dia 4.




Estou em Genebra ou Geneve, acabada de regressar de um banho profundo de realidade e humanidade que poucos podem experimentar, e que por esse motivo me parece legitimo descrever aqui, salvaguardando o melhor possível a diferença entre o que me é profundamente pessoal e o que pode ser de alguma importância para vocês.

Vim a convite do programa Portugal no Coração, acompanhando uma equipa que começa a ganhar contornos familiares, tal é a assiduidade dos seus convites. Imaginam, obviamente, a sede profunda de Portugal que atravessa os muitos portugueses que hoje estiveram connosco. Toca os limites do irreal, a sua vontade de falar connosco, de nos fazer sentir especiais, de nos contarem os pormenores dos seus dias, das suas saudades, da sua luta diária num país que cada vez mais é o seu mas onde dificilmente deixam de ser estrangeiros. Porque amam Portugal, porque amam as suas recordações, os seus, as suas raízes.

E agora imaginem que no final de horas de emissão tenho alguns rostos que conheço desde sempre, desde pequenina, com quem partilhei Natais, férias, dores e histórias sem fim e que foram - vejo nos seus olhos – bem mais que espectadores. Foram, durante aquelas quatro horas, a minha família de sempre, vendo a sua prima ou sobrinha pequenina que recordam, apesar do aparato e do vestido grandioso e a quem chamam como dantes: ”Menina!”

Talvez seja esse motivo que me faz chegar sem hesitar e que me aproxima de todos os outros rostos desconhecidos. O de, como eles, entender a saudade que se guarda para sempre, da família que um dia não encontrou resposta no seu país. Muitos deles vieram quando ainda eram, para mim, os meus grandes heróis, mais que o Super-Homem ou qualquer outro cantor Pop da berra alguma vez foram.

Os meus primos, dos quais alguns são irmãos, são todos mais velhos que eu. Sempre que os encontro, percebo porque fui um dia escolhida pelo Fado, para o levar pelo mundo. Porque cresci rodeada de gente cujas vidas são fados perfeitos, de crueza, de realidade, de vida e emoção em bruto. Gente que ainda hoje tem a coragem de rir e chorar como ninguém que eu conheço.

Muitas vezes me perguntam como posso conhecer e cantar certas coisas, com a idade ainda jovem que tenho. E hoje apercebi-me de parte da resposta. Abençoou-me a vida com gente que vive, que se dá e que me ensina a ser real, a despir o vestido e a abandonar as luzes para me aconchegar no regaço de quem insiste em ver-me como eu sempre fui. De quem sabe pegar no fio da meada, para continuarmos a construir a história que juntos começamos, há muitos anos - e que perdura para além das distâncias.

Nem sempre o sangue fala tão alto em mim. Mas quando isso acontece, ele grita bem alto, para agradecer a genética que nos tocou a todos na nobreza, na generosidade e no carinho. Sempre que gostarem de mim, agradeçam-lhes o pedaço de mim que eles alimentaram, com o seu Amor incondicional e com o seu jeito único de aceitarem a vida como ela se tem, inevitavelmente, apresentado.

1 Comments:

At 8:16 da tarde, Blogger Pinguimcris said...

Eu conheço muito bem a realidade da emigração, da partida que deixa sempre para trás tantas pessoas de quem gostamos. Eu nasci na Alemanha e durante os primeiros anos da minha vida conhecia a minha família das visitas que fazia a Portugal (que sempre considerei o meu país). Até ao dia que fiquei em Portugal e os meus pais continuaram a partir em busca de uma vida melhor.

Lembro-me da importância que toda a comunidade portuguesa dava aos artistas que iam lá cantar. Todo o contacto, mesmo que indirecto, com Portugal era revestido de alguma magia, de um encantamento.

Ainda bem que a Mafalda vai levando aos vários cantinhos do mundo algo de tão português e que de certeza vai deixando um sorriso com algumas lágrimas em cada um dos rostos que tão magicamente são tocados pela sua voz, pela sua pessoa.

Bjs
Cristina

 

Enviar um comentário

<< Home