1.8.06

AMAR ANTE TANTA BELEZA...



Dizem que já não é original brincar com os subentendidos das palavras. Mas é irresistível, quando o jogo é tão declaradamente óbvio.
Amarante é de uma beleza romântica, harmoniosa, onde as encostas, as casas, o rio e a abundante vegetação estão em perfeita sintonia.
O local do concerto do passado dia 28 (na Praça da Republica), com o cenário do Mosteiro por trás, mesmo sem luar, é de cortar a respiração… Foi, aliás, o mote para o início da actuação, quando partilhei com o público o quanto gostaria que por uns momentos trocassem comigo, para poderem apreciar, por completo, a visão que é dada a quem está no palco.
Mas o grande desafio da noite (dos maiores que tenho tido) foi mesmo a assistência privilegiada de um grupo que sendo mais e mais frequente, nunca pude apreciar com tamanha dedicação e interesse: crianças!
Muitos e muitos pequeninos Amarantinos(as) que fascinados pelo evento, insistiram em não arredar pé da linha da frente do público. Das mais variadas idades, com a mais declarada vivacidade, em despique constante comigo, até no dedinho que punham à frente da boca, uns para os outros, quando os convidava a fazer o impossível: “Chiu, chiiiiuuuuu…”
Confesso que têm sido vários os convidados nos meus concertos, mas nenhuns trouxeram a originalidade deste novo som, convidando-nos ao máximo da concentração e à procura de uma colaboração difícil, sim, mas amplamente justificada pela fidelidade que demonstraram em não arredar pé, perante aquela música que vai de desconhecida a estranha - mas, aparentemente, aliciante.
Num concerto tradicional, para que possamos dar o nosso melhor, existem algumas coisas essenciais como condições técnicas, concentração e claro, silêncio. Mas, de vez em quando, temos de estar abertos a novas situações. Parecendo inadequadas, acabam por obrigar-nos a descobrir novos talentos, na forma de chegarmos a TODOS!
E se queremos que as novas gerações se interessem pela nossa cultura, pela nossa música, temos de muitas vezes fazer a ponte e criar espaço. Espaço para que se sintam parte do que está a acontecer e para irem, aos poucos, percebendo e sentindo como estar, fazendo com que a serenidade e o silêncio sejam não uma obrigação, mas uma consequência natural do estar atento, do escutar, do desfrutar.
Não é num só concerto que isto se consegue. Mas, entre todos, com dedicação e paciência, acredito realmente que será possível. Da mesma forma que não se deixa um prato com os talheres afiados à mercê de uma criança, na sua primeira refeição à mesa; também com o resto temos importância decisiva, na sua integração e educação, para algo que lhes é completamente novo. E eu sou daquelas pessoas que acredita que a música é muito mais que um acessório: é alimento da alma, da vida, (quase) tão importante como o que precisamos de básico para sobreviver.
“Suei” e “suámos” muito, em cima do palco, mas nem por isso deixei de adorar este momento! Se imagem houvesse para descrever este encontro, podia ser a do instrumental, em que decidi sentar-me na beira do palco e assim tornar-me público, com eles e todos os outros… Inacreditavelmente, depois de tudo, quase se fez silêncio e o respeito imperou... porque se ia tocar o fado!

2 Comments:

At 12:14 da manhã, Anonymous Anónimo said...

Por trás do Dom de quem canta e toca está uma rede complexa de fenómenos matemáticos. Cantar e tocar uma canção fora do chuveiro obriga, para fazê-lo bem, um jogo de cintura e neurónios, segundo a segundo, para fugir ao engano, às partidas da memória e ao desafinar.
Porque poucas pessoas sabem isso, infelizmente, os artistas são vistos demasiadas vezes como entretenedores capazes de "dar espectáculo" em toda a parte. Em festas de gente à gargalhada, jantares com copos e talheres a bater ou salas fechadas com metade do público a tossir, a falar com o vizinho do lado, a atender o telemóvel, a disparar o alarme do bip... e a tentar manter as crianças quietas e em silêncio.
Os meus e seus/suas coleguinhas vão a concertos de fado e música clássica sempre que possível.
Da primeira vez que foram, assim que começaram a perturbar a orquestra e o público, voltaram imediatamente comigo a casa.
Aqui, dei-lhes contas de cabeça para fazerem enquanto punha a TV no volume bem alto. Quando se queixaram do barulho a impedir-lhes o raciocínio, expliquei-lhes que há coisas que só se podem fazer no silêncio e que o artista é como eles. Só consegue fazer as contas bem em palco se não o estiverem a distrair.
Foi remédio santo e uma lição de vida em sociedade que me custou acho que uma meia hora. Até hoje, nunca mais fizeram barulho em espectaculos. E aprenderam a pedir em segredinho para sairmos, quando não gostam ou estão cansados.
Ser mãe é isto, educar as nossas crianças. É pena que nem todos o queiram fazer. Porque saber educar os nossos filhos, todos sabemos. E quando não sabemos, aprendemos.

 
At 3:19 da tarde, Anonymous Anónimo said...

Interessante o tema aqui focado neste post da Mafalda, bem como o comentário deixado pela Maria.

A traquinice própria daquela idade, o desassossego marcante nos seus comportamentos, a saudável irreverência sempre presente nos seus gestos e nas suas palavras gritadas.

No fundo, o necessário equilíbrio (palavra/conceito mágico sempre presente) que a nós, adultos, lhes cabe transmitir.
E que eles, com a sabedoria própria e derradeira das crianças, sabem compreender.

Parabéns Maria pela sua lição.

Obrigado Mafalda, uma vez mais, pelo carinho que se percebe em tudo o que diz, pela ternura que escorre, límpida e calma, por entre as margens das suas vivências.

 

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