3.11.06

TÃO LONGE E TÃO PERTO



A ideia de regressar a certos lugares traz, por si só, uma sensação de satisfação e conforto por nos desejarem de volta. Neste caso especial, quando surgiu esta possibilidade, o arrepio que me percorreu trouxe-me memórias inesquecíveis de um dos momentos mais marcantes da minha carreira.
Fui pela primeira vez ao Uruguai em 2004, no seguimento de uma mini-tour pela América do Sul, que começou pela Venezuela, passando pela Argentina, seguida do Uruguai e terminando finalmente na Argentina, de novo. Serviu, no mínimo, para percebermos que cinco dias são definitivamente pouco para tamanhas distâncias - e suficientes para perceber, sem dó nem piedade, os meus limites. Em resumo, no dia do concerto do Uruguai, há dois anos, despertei completamente afónica e com a dura realidade de ter que fazer um concerto nessa noite e na noite seguinte. Para completar o quadro, tinha também, nesse dia, um programa de televisão absurdamente matinal (às 8h da manhã…) onde me apresentei para que não houvesse dúvidas sobre o meu estado e onde descobri os poderes magníficos do meu melhor sussurro. Ainda me lembro do ar assombrado do apresentador…
Consegui fazer o concerto dessa noite (nem eu sei bem como…) e aprendi que a alma humana é sensível, quando falamos de música, a muito mais do que a melhor prestação que um artista pode dar; ou às melhores capacidades que tem para se apresentar. Nessa noite, talvez pelas dificuldades, o que não conseguiu sair pela voz, saiu por cada poro, em doses gigantescas de alma, de expressão, de cumplicidade com os músicos que não sabiam bem quando seria o derradeiro "ai"… foram momentos de uma luta imensa, de uma troca profunda de emoções que até hoje nunca mais me abandonaram. O aplauso caloroso e interminável do final foi sem dúvida das maiores prendas que tenho recebido.
Imaginem, depois disto, a vontade que não fica de regressar, de procurar dar a mesma dimensão emocional com todas as capacidades firmes e a postos! Por isso, quando desta vez entrei no palco, ao fim do primeiro tema tive uma sensação de reconhecimento mútuo, entre mim e o público. Como o reencontro de amigos que viveram momentos tão difíceis quanto fortalecedores, os quais podem bem explicar o laço que parecia pairar no ar. Não é apenas ilusão minha, pois no final tive realmente oportunidade de conversar com algumas pessoas que haviam estado, também em 2004, no meu concerto.
A acrescentar a este momento tão intenso, a presença amiga, saudosa e tão querida, do nosso Ramon Maschio. Nem nos passaria pela cabeça não aproveitar a proximidade com o seu país, e perder esta oportunidade única de reunir a "família".




Além de tudo o que vos contei e da importância obvia que teve para mim, este evento inserido na Cimeira Ibero-Americana de Chefes de Estado e de Governo, contava também com a presença de três outras cantoras da América do Sul, Biella da Costa, Haydée Milanês e Ana Prada, acentuando o cariz particularmente feminino dessa noite.
Se este facto tem ou não a ver com a extrema sensibilidade quase palpável que pairava no ar, pouco importa… Certo é que o arrepio que é essencial para quem escolhe esta vida, para servir de estimulo e alimento, para afirmar com toda a convicção que é uma bênção ter o privilégio de se fazer o que mais se gosta, ACONTECEU!
E nem todo o cansaço do mundo, depois de uma viagem interminável, nem memórias que têm de fazer parte do passado, nem a tristeza geral de termos de nos despedir (por enquanto!) do nosso querido Ramon, poderão alguma vez fazer-me esquecer a alegria deste regresso…


2 Comments:

At 11:34 da manhã, Blogger Ambasciatore Romano said...

Pois é... a vida de artista é assim mesmo!
Mas como diz o poeta: Tudo vale a pena se a alma não é pequena!
E existem sacrifícios, que bem vale a pena! Sobretudo em nome desta arte que é a música incorporada no fado e na voz da Mafalda!
Ao ler este post, arrepiei-me... e pensei.
Meu Deus que alma tão grande a da Mafalda!
Só a música é que nos move... para tamanhas façanhas!
Só este nosso sangue português é que nos dá força!
Como português, nem tenho palavras para qualquer comentário!

Beijinhos

 
At 6:17 da tarde, Anonymous Anónimo said...

Prezada Mafalda: enviei o seu convite para a festa do meu livro para a Magic Music. Depois queira mandar, através de e-mial, a direcção correcta para o livro chegar até você.
André Freire.

 

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