PORQUE A ALMA TAMBÉM TEM FOME...
Foto de Paulo Pimenta/Público (todos os direitos reservados)
Parti para esta cruzada com a sensação de expectativa, perante algo desconhecido, sobre o qual a informação escasseava, mas que o meu intimo dizia ser uma belíssima forma de encerrar este 2006.
Quanto mais não fosse, a oportunidade de cumprir - de uma forma peculiar, eu sei - a promessa de levar o DIÁRIO ao Porto, levou-me a acolher esta ideia com a maior satisfação.
E mais uma vez, o Porto retribui-me este carinho que lhe tenho… no texto que farei posteriormente sobre Beja, dá para perceber que este final de Ano se processou em verdadeiras “piscinas olímpicas” de km a percorrer: Pasteleira, dia 7 Dezembro, no Porto, Pax Júlia, dia 8, em Beja, Aldoar dia 9, NO PORTO… E entender que em cada concerto a disposição, a inspiração, a VONTADE de estar ali, fosse cada vez maior?
O ser humano é definitivamente um mistério; e desvendar esses caminhos com a minha equipa de bravos é fascinante. Os ensaios de som são uma festa de animação e boa disposição; os jantares, uns mais atribulados que outros, têm realmente o sabor a família; e finalmente, no palco, nestes bairros do Porto em que público, cantora, músicos, luz e som se confundem como se simplesmente estivéssemos numa casa familiar a todos, a partilhar um momento de convívio, tal é a proximidade uns dos outros. Fez em tudo lembrar-me as casas de Fado, sem as mesas, a comida, o fumo... mas com a respiração e a alma de todos ali, à flor da pele. Se quisesse, podia olhar nos olhos de cada um que ali estava e assim nem eu, nem eles, termos por onde fugir e quando a emoção nos dominasse, sermos simplesmente “obrigados” a partilhá-la, ali, naquele momento.
Talvez a definição de bairro possa mesmo ser essa… A impossibilidade de “fugirmos” uns aos outros e termos de nos encarar no dia-a-dia, com tudo o que isso traz de companheirismo, de intimidade, de solidariedade, mas também por vezes de desgaste, de rotina, de saturação. Por vezes, nos grandes palcos das grandes cidades, sentimos o pulsar que vai no coração de cada um. Nestas pequenas salas, sentimos esse pulsar, mas muito mais o pulsar forte do sentido de comunidade que inevitavelmente se cria e - mais ainda - o pulsar da abertura generosa com que acolhem quem desconhecem, só porque agradecem serem reconhecidos, ouvidos e respeitados.
E é assim que revelam que o bairro tem mesmo vida própria, com direito ao reconhecimento, com direito a ter acesso ao que muitas vezes só está ao alcance de alguns privilegiados. Tal como o corpo precisa de ar, alimento, água, acredito sinceramente que a alma também, sendo a música uns dos melhores instrumentos para garantir esta fonte de subsistência. E no que me for possível, é uma fome que terei todo o prazer em “matar”…